Inclusão Financeira na América Latina: cenário e oportunidades para fintechs

Publicado em 14 mar 2023.

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A América Latina foi a região com maior crescimento no número de pessoas com contas bancárias no período entre 2017 e 2021. É o que aponta o estudo Global Findex 2021, do Banco Mundial. Apesar disso, as oportunidades para o uso maior de pagamentos digitais ainda existem. Afinal, 150 milhões de adultos com conta bancária fizeram pagamentos em estabelecimentos comerciais apenas em dinheiro, incluindo mais de 50 milhões no Brasil e 16 milhões na Colômbia.

Para comentar esse cenário e, principalmente, a atuação das fintechs no contexto da inclusão financeira na América Latina, conversamos com Bruno Diniz, especialista em inovação no mercado financeiro, co-fundador da Spiralem, Diretor América do Sul na FDATA (Financial Data & Technology Association), professor da Fundação Dom Cabral e do MBA da USP e autor do livro “O Fenômeno Fintech”.

 

 

Muito se fala sobre o papel das fintechs na inclusão financeira. Mas, de fato, como podemos contextualizar essa atuação?

 

As fintechs tiveram um papel muito importante em todo o processo de avanço do mercado financeiro, não só aqui no Brasil como em toda América Latina e outras regiões.

Pensando na realidade brasileira, há cerca de 10 anos eram muito restritas as alternativas que tínhamos para tocar a vida financeira. E isso foi se ampliando a partir do momento em que o regulador abriu o caminho para as fintechs. Esse processo também está acontecendo em outros países da América Latina que estão trabalhando seu arcabouço regulatório para acomodar novos modelos de negócio.

Começamos a ter novos agentes no mercado que são capazes de compreender melhor tipos específicos de públicos que muitas vezes os bancos tradicionais não estavam olhando. Abre-se o rol de possibilidades para que diferentes grupos possam ter acesso a serviços financeiros . Então, sem sombra de dúvida, o fenômeno fintech que presenciamos nos últimos anos revolucionou a forma como os serviços financeiros são entregues e como são acessados pelas pessoas.

 

Como esse fenômeno fintech tem avançado na América Latina? Quais países estão mais rápidos e quais estão mais lentos nessa caminhada?

 

É importante destacar que a regulamentação é super fundamental para termos esse avanço. Apesar disso, há vários países em que o sistema vai acabar se desenvolvendo com aquilo que existe no momento em termos de arcabouço regulatório.

Entre os países que observamos na América Latina, o Brasil  é o mais avançado. O México avançou quando criou a Lei Fintech, embora tenhamos relatos de que as coisas não estão fluindo de uma forma tão suave como se imaginava. A Colômbia tem atraído capital estrangeiro à medida em que regula diferentes elementos que compõem uma economia digital. Uruguai e Peru também têm feito avanços importantes.

O Chile recentemente aprovou uma regulamentação um pouco mais clara sobre vários pontos cegos dentro do mercado financeiro deles, além de estar avançando na parte do Open Finance, uma estrutura bastante importante em economias desenvolvidas mundo afora.

A Argentina tem passado por problemas macroeconômicos e conjunturais. E quando você tem um problema mais intenso, fica difícil como regulador dar atenção para outros elementos. Também por uma questão econômica, Bolívia e Venezuela estão bastante atrás nesse processo como um todo.

 

Quais os desafios para que esse papel de inclusão financeira na América Latina das fintechs se expanda em termos de inovação de produtos, número de usuários e outras variáveis?

 

Cito novamente a parte regulatória como um grande desafio. Isso faz toda a diferença para que as regras do jogo estejam claras. Uma vez que estejam, é mais fácil para quem está atuando localmente empreender e para quem é investidor colocar dinheiro, ou seja, facilita o desenvolvimento do ecossistema.

Em alguns países temos também desafios ligados à parte de estrutura um pouco mais básica para o digital – como a cobertura de rede para smartphone – que são elementos que podem gargalar todo esse processo.

 

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Outro desafio que estamos vivendo agora passa pela questão econômica global e diz respeito à queda da atração de investimentos: diminuíram os recursos destinados ao segmento e muitas empresas tiveram uma queda de valuation muito grande. É uma prova de fogo para alguns modelos de negócio que tinham um horizonte de maturação mais longo e que agora vão ter que dar respostas mais imediatas para o investidor.

Estamos passando por esse ajuste recente de rota, mas os últimos anos foram muito eufóricos. A América Latina entrou no mapa dos investidores e tem muita coisa a ser feita por aqui. É um prato cheio para empreendedores.

 

O Embedded Finance pode ser um modelo menos vulnerável ao apetite dos investidores para a evolução da inclusão financeira na América Latina?

 

O Embedded Finance chega como uma possibilidade muito interessante, uma evolução natural das possibilidades geradas pelas fintechs. O contexto de crise pode em alguns casos engavetar projetos. Vimos grandes redes varejistas, por exemplo, que tinham a ideia de lançar uma divisão de serviços financeiros e que tiraram o pé do acelerador dada a conjuntura econômica.

Hoje está muito mais claro demonstrar as vantagens desse modelo, há uma urgência maior para que grandes conglomerados façam suas incursões dentro do mundo das finanças embutidas.

Nesse contexto, também temos os provedores de Banking as a Service que aproveitam esse timing de mercado e acabam desafogando um pouco essa crise mais aguda do setor fintech. Isso porque eles estão provendo para empresas que não precisam de um investimento para ofertar serviços financeiros, só precisam saber se é o momento ideal ou não.

 

Quando adotado por grandes varejistas, o Embedded Finance também pode ser uma saída para os desafios de infraestrutura?

 

É preciso entender o contexto em que estamos inseridos. O México, por exemplo, é um país que tem um sistema de pagamentos instantâneo, o CoDI, mas que não pegou como o Pix pegou aqui no Brasil. Então lá vimos a OXXO , uma rede de lojas de conveniência bastante popular, ofertar produtos financeiros digitais e crescer absurdamente.

 Assim, em países que têm deficiências em termos de infraestrutura, como no caso de pagamentos instantâneos, as varejistas assumem um papel muito importante ao utilizar as finanças embutidas. Como já existe uma rede formada, as lojas se tornam um ponto fundamental de cash in/cash out, uma vez que a população depende muito do dinheiro em espécie.

É o que acontece no Brasil no caso da Bemol, varejista que atua na região da Amazônia. Por mais que o Brasil tenha o Pix funcionando na extensão nacional como um todo, precisamos considerar os recortes do país.

 

Você citou a América Latina como um prato cheio para empreendedores. Quais as oportunidades no horizonte da inclusão financeira?

 

Vejo que temos muitas oportunidades para o empreendedorismo e a inclusão financeira na América Latina porque existem várias carências em termos de acesso. Analisando a região, o Brasil ainda é um dos países que se sai melhor nesse aspecto. No México, a taxa de desbancarização é de cerca de 50%. Peru e outras áreas também apresentam altos índices de desbancarizados.

Isso prova que ainda tem muita coisa para ser feita na linha de inclusão financeira básica. Mas também existem outros passos, que é o acesso ao crédito, ao microcrédito, à facilidade de contratação de serviços como seguros e assim por diante.  Existe até mesmo o desafio de educação financeira básica, que se traduz em uma oportunidade muito grande para quem vem fazer negócio por aqui.

É um cenário diferente de outros países mais desenvolvidos, como é o caso dos Estados Unidos, onde a competição já é muito grande e as pessoas são mais bem informadas sobre o básico que rege uma vida financeira. Tudo isso se traduz em oportunidades.

 

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O foco de atuação das fintechs é gigantesco. Como você vê a ampliação dessa gama de serviços? O que tem de interessante surgindo?

 

No começo era mais fácil pegar elementos do mercado financeiro tradicional e pensar na sua versão fintech. Formamos provedores alternativos de investimentos, de empréstimos, seguros e tudo mais. Entendo que agora entramos em um momento de mercado em que nos voltamos mais para a infraestrutura.

O Banking as a Service é um reflexo disso, em que você não consegue fazer um paralelo. É é um serviço novo, que já existe em outras roupagens há um bom tempo, mas a forma como ele tem sido feito agora tem seus contornos próprios.

É um modelo que soube muito bem reunir aspectos regulatórios e tecnológicos atuais para fazer a entrega de soluções, mas que em breve terá que reunir novos elementos – talvez baseado no que está sendo trazido pela criptoeconomia e Web3  – para fazer uma entrega de serviços ainda mais moderna.

 

Falando especificamente de inclusão financeira, quais iniciativas você destaca, pensando em acesso para diferentes públicos?

 

Uma iniciativa bem interessante no Brasil é o Banco Maré, que nasceu na favela carioca. É um exemplo de como sanar esse gap do morador de comunidade sem acesso a serviços financeiros e que tem necessidades e particularidades específicas.

Tem também o PicPay, que fez acordos com o Governo do Estado de São Paulo na época da pandemia para distribuição do auxílio. É uma fintech que nasceu muito mais com foco no público jovem do que com a pegada de inclusão, mas que no fim ficou bastante atrelada às classes C, D e E.

Olhando para a questão de Embedded Finance, cito o projeto para inclusão da comunidade de catadores de alumínio, que a própria Dock viabilizou. E outro exemplo que gosto de citar é a banQi, do grupo Via Varejo, que é uma grande varejista que se comunica muito bem com as camadas populares.

 

Como o varejo contribui para a inclusão financeira na América Latina e transforma a experiência do cliente em loja? Conheça o case da VUON: 

 

E qual conselho você daria para as fintechs que têm essa missão de contribuir para a inclusão financeira na América Latina?

 

Entendo que é preciso uma clareza muito grande em relação ao público que você está tentando atingir. Até porque quando falamos de inclusão existem vários grupos que estão marginalizados na questão de acesso a serviços financeiros. É preciso entender quem é esse público. Quanto mais específica a fintech for nesse estágio inicial, melhor para conseguir fazer uma entrega que faça sentido.

Além disso, em tempos de Embedded Finance, uma conta digital é algo que você encontra em qualquer lugar. Então se trata também de como você entrega a experiência desse produto, seja porque o usuário tem um entendimento menor sobre a mecânica do mercado financeiro ou ainda dificuldades como interpretação de texto. É preciso criar formas da pessoa compreender de fato que aquele produto faz sentido.

É como no caso do crédito consciente. Para uma pessoa que tem dificuldade de entender o mercado financeiro, o cartão de crédito é uma navalha. Tem que trabalhar o binômio acesso e educação financeira em relação ao produto ofertado.

 

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Inclusão financeira na América Latina: resumo

 

  • As fintechs tiveram um papel muito importante em todo o processo de avanço do mercado financeiro, não só aqui no Brasil como em toda América Latina, abrindo o rol de possibilidades para que diferentes grupos possam ter acesso a serviços financeiros.
  • A questão regulatória é fundamental para que os países avancem com o apoio das fintechs na inclusão financeira. Além disso, alguns países enfrentam também desafios ligados à parte de estrutura um pouco mais básica para o digital.
  • O Embedded Finance pode ser uma opção de formato menos vulnerável para fintechs que enfrentam a questão de aporte de investimentos.
  • Quando adotadas por grandes redes varejistas, as finanças embutidas também conseguem resolver eventuais problemas de infraestrutura.
  • Existem muitas oportunidades para fintechs que têm como missão a inclusão financeira na América Latina e conhecer o público que se quer atingir é o segredo para oferecer um produto que faça sentido.

 

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